terça-feira, 13 de maio de 2014

O grande poder e a grande responsabilidade


Não acredito em vitórias providenciais. Um mar de rosas é só um estado distópico qualquer próprio de idiotas e demagogos. Nem a política nem a vida podem ser mares de rosas, e que não o pareçam é só um sintoma de saúde. Na semana em que a câmara do Funchal parece ruir sobre os seus próprios alicerces é uma boa altura para lembrar que, como eternizou Emiliano Zapata numa noite quente do México, mais vale morrer de pé, do que viver de joelhos. Infelizmente para todos os arautos da desgraça a Revolução de 29 de Setembro não se perdeu. Não se perdia, sequer, caso amanhã fracassasse um executivo inteiro, porque as ideias são à prova de bala. É que, nesse dia, não votámos um programa eleitoral. Não votámos em caras, nem em medidas, nem nas particularidades da gestão da coisa pública. Não votámos nos medicamentos para os idosos, no IMI, nem votámos nos jardins municipais. O que votámos nesse dia foi romper com 40 anos de carneirice e hostilização política, em pôr um fim na oligarquia e no regime de partido único, em implodir a ditadura de cristal simplesmente porque isso é Democracia, e porque era a coisa certa a fazer, fossem quais fossem os custos. O que votámos nesse dia foi o orgulho na nossa cidadania política. Se voltavam todos a fazê-lo? Não sei. Sei que o meu, pelo menos, não tem preço.

Esta semana, o Funchal tem assistido a um vendaval mediático que, em última instância, já sugeriu eleições antecipadas, por cisões no seio da maioria. Passaram sete meses. A oposição recusou pelouros e o PSD empenhou-se na guerrilha séria que o traduz como guardião irredutível dos interesses das pessoas, mas as fundações, essas, fraquejaram do lado de dentro. Se me perguntassem se, ao fim deste tempo, estava à espera de divergências alegadamente insanáveis entre o Presidente e os seus vereadores? Não estava, de facto. Mas quem disso quiser tirar conclusões pomposamente homéricas, só o poderá fazer por manifesta desonestidade intelectual. Durante a campanha, chamaram de tudo à Mudança. Particularmente de "saco de gatos", sem disciplina, experiência nem estrutura, uma aberração que jamais funcionaria numa tão expressiva gestão camarária. Neste momento, há muita gente que se regozija pelo tão certa que acha que estava.

Trocado por miúdos, contudo, "saco de gatos" era a definição para um conjunto de pessoas de matriz não partidária, com provas ostensivas de competência nas suas mais diversas áreas, que acharam que a política e a causa pública são o lugar dos mais capazes, não uma empodrecida chantagem clubística, não o mercado negro de influências do polvo sufocante que sempre conhecemos, e que sempre nos sintetizou a liberdade em favores, que sempre nos deu a dádiva de ocupar-se do assunto opulenta e gordurosamente, só por gostar tanto de nós, e que jamais nos preocupássemos com isso. Portanto, quem via um 'saco de gatos', quem achava ou acha que o 'saco de gatos' é um problema, desde um 25 de Abril que está no lugar errado.

Se eu estava à espera que as fissuras viessem de dentro? Não estava. Se é imperdoável haver problemas? Só para quem acha que o poder do Rei-Sol vem mesmo de Deus. Mais tarde ou mais cedo, as dores de crescimento eram inevitáveis. Ganhar é a parte boa, mas foi para governar que os escolhemos. Foi isto que assinámos. As pressões, a rudeza da gestão diária, os lobbys, a falta de experiência. Alguém achava que podia ser fácil? Ter vergonha na cara também não é. Quando escolhemos o caminho certo sobre o caminho fácil, fizemo-lo por saber que era a hora, e por saber o que isso valia a pena. Essa vitória fomos nós que a ganhámos e também é a nós que a compete segurar. As pessoas não mudaram, o princípio não mudou. Hoje, como sempre, andar a falar para o lado, a ser ligeiro, a bufar banalidades ou a comer redundâncias é o prato dos tolos. E os tolos são o prato das hienas. Sejamos todos melhores do que isso, como naquela noite imortal de fim de Verão.

Como é óbvio, todavia, não é só a nós que compete estar à altura do voto. Mais do que nunca, é ao presidente Paulo Cafôfo, e aos vereadores Filipa Jardim Fernandes, Edgar Silva, Gil Canha e Idalina Perestrelo. Nunca vi a culpa arranjar soluções, pelo que não contem comigo para nenhuma caça às bruxas, tenham sido a precipitação ou a falsa grandeza, a má leitura ou o abuso a estarem na origem dos males. O que me parece é que, por momentos, se esqueceram todos do essencial: que se lá entraram como unos, hoje representam-nos a todos e, mais do que isso, representam uma esperança que não têm o direito de pôr em causa. Tão grande em consciência, quanto frágil como uma centelha. Que ela não se volte a trocar por décadas de breu, é maior do que vós e é infinitamente maior do que os vossos egos. A vossa falência seria um estrago irreparável e faria-nos perder dez vezes mais do que aquilo que ganhámos há tão pouco tempo. Não nos provem errados porque, mesmo se mais e mais a puserem em causa, a Mudança vive. Tudo o que precisamos é que, agora, sejam vocês a estar à nossa altura. Ganhámos todos, não nos façam perder sozinhos.

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