quinta-feira, 15 de maio de 2014

Sorrir à morte


'Death smiles at us all. All a man can do is smile back'

O Benfica nunca pensou que perderia esta final. No ano passado sim. Porque era o Chelsea, porque tinha sido o golo do Kelvin. No ano passado sim, e é por isso que a encarou para fazer um dos maiores jogos da época. O Benfica que perdeu em Amesterdão teria resolvido a final de Turim com uma naturalidade quase desconcertante. Por ironia do destino, contudo, é quando parece mais fácil que a vertigem come por dentro. Podia ter sido sobranceria, excesso de confiança ou desleixo. Não foi: no momento em que entrou na relva, o Benfica que ia ganhar percebeu que tinha tudo a perder. O Benfica que, desta vez, já entrou campeão, soube, então, da fragilidade pesada que é ser favorito.

Claro que faltou Enzo. Que faltaram Markovic, Salvio, Fejsa, Sílvio, Sulejmani. Muita gente grande logo quando era preciso cruzar a fronteira mais dura. No entanto, como bem reconheceu Emery na antevisão, o maior mérito deste Benfica era nunca ter parecido unipessoal. Era ser a máquina cuidadosamente trabalhada para não ter insubstituíveis, que este ano já ganhara de todas as maneiras e com todas as caras. Claro que os ausentes contam, e claro que jamais se pode dizer que o mal de uma equipa é falta de transcendência, mas este Benfica continuava a ser melhor do que o adversário. Como o foi. Para a História, o amoralismo cru dirá que só contam as derrotas. Que o Benfica perdeu para o Chelsea por não ser favorito e para o Sevilha justamente porque o era. Eu digo que o Benfica foi humano. Perdeu uma apesar da coragem perante as dificuldades, outra por causa da agonia pelas expectativas. Perdeu pela mesma razão que as podia ter ganho. Humano.

É extrapolável dizer que ao intervalo já se pode saber alguma coisa mas, no Delle Alpi, já se sabia. Não me lembro honestamente de nenhum outro jogo do Benfica de Jesus em que a bola tenha queimado tanto nos pés. Em que se tenham perdido tantos lances, tomado tão más decisões, criado tão pouco. O Benfica, percebeu-se cedo, tinha o mundo aos pés e não tinha pés para agarrar o mundo. Ninguém quer ter medo de falhar, mas o problema é que ele nunca pergunta antes de vir. Se só acontece ao Benfica? Os pesadelos acontecem a todos, acontecem sobretudo aos que lá estão a sonhar. Cedo a equipa viu-se febril e cedo percebeu que o mar de rosas estava defunto. Cada bocado de responsabilidade alegada passou, pois, a ser um obstáculo, o medo passou a ser um contra-relógio.

Porque, de facto, foi a melhor equipa da prova, mesmo um Benfica ferido de capacidade individual e obliterado de discernimento colectivo podia, sob qualquer prisma, ter ganho o jogo. Na impossibilidade de lidar com o seu colete de forças mental, sem conseguir capitalizar todas as virtudes que o celebraram este ano, a equipa foi atrás do perigo num reflexo e regressou aos excessos de outros tempos. Tentou sobreviver no limite, no mata-mata, na parada e resposta. E, nunca relevando o Sevilha, que não foi nenhum espectador, teria ganho com sentido. Há que fazer-lhe essa honra. O futebol, porém, nunca foi justo. Achei que podia dar até aos 90', mas não se pode ignorar que nenhum lugar é pior para nascer torto do que uma final. Isso ou que os penalties dificilmente perdoam quem está "a perder".

O futebol não é azar, mas oito finais perdidas não são só futebol. O Benfica podia ter feito mais, o Benfica merecia ter ganho mesmo assim. Porém, quando sobra pouco de racional, outra vez, sobra ainda menos a cobrar, a desesperar. Em Amesterdão foi desumano, mas ninguém se pode corromper duas vezes com a mesma tragédia. Uma noite mais, o Benfica fez o seu dever, uma noite mais, nenhum benfiquista teria trocado lá estar. No fim, isso é que conta. O resto, talvez tenha sido a vida, talvez tenha sido a maldição, talvez haja nova final em 2015 para descobrir.

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