terça-feira, 13 de julho de 2010

África do Sul 2010 - Como Foi

As vuvuzelas. O golo 1 de Tshabalala. O polvo Paul. Maradona. O ketchup de Ronaldo. A hecatombe francesa. A Mannschaft. Sneijder e Muller e Forlán e Villa e Iniesta e Ozil e Suárez. Os 3 empates da Nova Zelândia. O beijo na boca de Casillas. Larissa Riquelme. O Gana e o que é a alegria a jogar futebol. O México e o 3-4-3. Honda e o Japão. Os Estados Unidos e o golo de Donovan que valeu os oitavos no último sopro. O 1-0 da Suíça à Espanha. Os nossos 7-0. Os 4 da Mannschaft à Inglaterra. E à Austrália. E à Argentina. O Holanda-Uruguai até ao último segundo. A louca Argentina de 1 médio e 5 avançados. O Uruguai-Gana do penalty de Gyan. Foi um grande Mundial.

As Desilusões

Da França não esperava nada, o mesmo já não posso dizer da Inglaterra. Por Capello, sobretudo. Com ele, Rooney depois da melhor época da carreira, e a enorma equipa de sempre, a Selecção dos Três Leões não podia ter passado tão vergonhosamente pela África do Sul. Nem cinismo, nem segurança, nem inteligência, nem individualidades, nem frieza no último terço. Nada à Capello. A equipa foi banal, ridícula a construir, constrangedora a finalizar, teve frangos, não teve um destaque individual, e saíu goleada. Fala por si.

À medida que o Mundial se aproximava, perdi alguma fé na Itália. Maus resultados na preparação, pouca segurança, e, especialmente, uma imagem de gasto que, apesar do regresso de Lippi, não pensava que se fosse instalar. O tombo italiano só pode ser considerado menor do que o inglês por essa perda de fulgor que se percebeu no pré-Mundial (e porque se esperava muito da Inglaterra), mas ainda assim a performance foi má de mais para ser verdade: a um empate de se qualificar no último jogo, a Azzurra ficou em último, sem vitórias, no grupo mais fácil do Mundial. Depois de 4 anos a falhar muito mais do que poderia, ao recém-chegado Prandelli sobrará muito que fazer nos próximos 2 anos.

Também esperava mais do Brasil. A selecção de Dunga não passou vergonhas como as duas anteriores, caíu dalguma maneira de pé, como disse, na altura, sem ter sido inferior nesse jogo com a Holanda, mas facto é que o Brasil tinha estrutura e tinha equipa, como sempre, para não ter ficado, pelo segundo Mundial seguido, nuns quartos-de-final. Talvez até fosse perdoável a muitos "grandes", não o é à Canarinha.

Os Melhores

Indiscutivelmente, o melhor futebol do Mundial foi o da Alemanha. Disse, e mantenho, que a Espanha é a melhor selecção do Mundo, mas isso, sem pôr em causa a qualidade do futebol jogado, vai muito para além dele. Na intensidade dos 90 minutos, permaneço fã incondicional do jogo alemão. Antevi que, ao contrário de quem os desvalorizava, os alemães fossem aparecer fortes, (como sempre, no fundo), mas nunca pensei que a este nível. Os 4 golos a ingleses e a argentinos entram para a História dos Mundiais, e a potência do seu ataque ficará na memória durante bons anos, como mais uma selecção fantástica que não foi capaz de ganhar. Será ousado dizer isto, na indiscutível Era espanhola, e depois da Roja não ter deixado dúvidas sobre quem é superior, nas meias, mas, entre os dois, eu pagava bilhete para ver a Mannschaft.

A Argentina. Disse que não acreditava numa grande campanha, e a equipa caíu goleada nos quartos. No entanto, ponho-a entre as melhores. Por convicção. Porque gosto de Maradona, e porque ele foi, sempre, uma das figuras da competição. Um ícone enquanto esteve, o incontornável que se espera que ele seja sempre. Enquanto se pôde divertir, a Alviceleste foi marcando golos atrás de golos, teve Messi no seu bailado eterno, teve Higuaín e os mísseis de Tevéz, e teve um coração do tamanho do Mundo. Quando chegou a Alemanha, perdeu por 4, num jogo em que só tinha um médio. É pela pureza, por essa crença infinita no talento dos seus jogadores, que Maradona e a Argentina foram uns dos melhores. Destroçado na despedida, El Pibe disse que esta equipa devolveu o futebol argentino "às suas raízes". Futebol é isto, o resultado é outra coisa qualquer.

Falar ainda daquele que foi, para mim, um quarteto de luxo, senhores do futebol mais entusiasmante para além da Mannschaft: México, Japão, Estados Unidos e Gana. Os três primeiros ficaram todos nos oitavos, mas deixaram muito que contar na África do Sul. Os mexicanos foram uma das selecções mais fortes da primeira fase, assentes num delicioso ataque a três, e numa equipa imensamente cativante de trás à frente, em 3-4-3. Terão sido a equipa com mais revelações individuais, de Juárez a Chicharrito, passando por Barrera ou Guardado, a que se juntaram os mais consagrados Marquéz, Salcido ou Giovanni dos Santos. Tivessem empatado o jogo com o Uruguai, e ganho o grupo, e a história do Mundial podia ter sido diferente.

O Japão foi uma lufada de ar fresco. Tão equilibrados e disciplinados como os sul-coreanos, que também passaram, ao Japão nunca faltou, no entanto, a alegria de jogar e o improviso, assentes numa das maiores revelações do Torneio: o extraordinário Keisuke Honda. Perder para o sequíssimo Paraguai, nos penalties, foi criminoso.

Ainda os Estados Unidos. Os norte-americanos eram, destas 4, a selecção mais modesta individualmente. E isso só reforça, de facto, o mérito do trabalho de Bob Bradley. Os Estados Unidos foram uma selecção fresca, muito bem armada, que jogou surpreendentemente bem com o que tinha, e que juntou a isso potes de emoção, da recuperação extraordinária contra a Eslovénia (2-2, a perder por 0-2), ao apuramento para os oitavos no último minuto do jogo (Donovan, contra a Argélia). Nos oitavos, felizmente perdeu para alguém que merecia, num dos grandes jogos do Torneio.

Por fim, o Gana, e os píncaros do seu drama. Para mim, foram o 2º melhor futebol do Mundial, ao transportarem, em cada célula, a extrema alegria de jogar africana. Não foram a primeira equipa do Continente a chegar a uma meia-final porque falharam um penalty no último minuto do prolongamento, o que diz muito sobre a beleza do jogo. Ainda assim, o trabalho de Rajevac perdurará, numa geração que já tinha dado de si em 2006, que foi campeã do Mundo sub20 em 2009, e que não será esquecida por todos quantos acompanharam o África do Sul 2010. Ayew, Asamoah e o extraordinário Gyan, num ataque fantástico, mais Kingston, Mensah e Boateng. Longa vida ao coração africano.

As Surpresas

Admito que, para mim, a Espanha foi uma surpresa. Não era discutível que a Roja tinha um potencial imenso, e chegava como Campeã da Europa, depois de ganhar todos os jogos da qualificação, mas os espanhóis tinham um passado derrotista pesado demais. Apostava, sim, nesse triunfo da História, na sua queda tradicional antes das meias, como já lhes tínhamos visto cair tantas vezes em Campeonatos do Mundo. Mais por essa convicção realmente, por esse entendimento histórico-cultural, do que por não gostar de espanhóis, diga-se. Sobre o que fez esta Espanha, já disse quase tudo nos últimos tempos. Sobra reforçar que consolidaram anteontem, definitivamente, uma nova Era no futebol mundial. A ver que dimensão a farão adquirir.

Na antevisão do Mundial, disse que esperava uma Holanda de futebol bonito, uma Holanda que comprometesse algum favorito, mas que não estivesse na África do Sul para ganhar nada. A velha Holanda, portanto. A verdade é que aconteceu quase todo o contrário, uma Holanda dura e fria, impenetrável, que discutiu a final do Campeonato do Mundo até aos últimos 5 minutos do prolongamento. Também já disse quase tudo o que tinha a dizer sobre a Holanda, no essencial, a tristeza pela Laranja ter sacrificado o seu apaixonante estilo, mas era absurdo não reconhecer o mérito do trabalho de Van Marwijk. 32 anos passados da geração de Cruijff, Neskeens, Rep e Resenbrink, a Laranja voltou a jogar uma final. Muito longe do mesmo brilhantismo, mas uma final.

Por fim, obviamente o Uruguai. Muita gente olhará para este Mundial, e falará sobre um Uruguai dum futebol louco a apaixonante. No essencial, isso não foi verdade. Tal como insisti especialmente até aos quartos-de-final, este Uruguai teve muitos predicados, desde a táctica, ao sacrifício e à disciplina, até à transbordante qualidade individual no ataque, mas esteticamente, ao nível da construção, a equipa nunca foi capaz de jogar bonito. A partir dos quartos, a Celeste acabou por passar do auto-controlo para a componente emocional, e é isso o que lembrarei com mais gosto desta impensável caminhada uruguaia. Disso, e de Suárez e de Forlán, um velho caminhante que saíu do United pela porta pequena, mas que acabou 2010 como melhor jogador da Liga Europa e Melhor Jogador do Campeonato do Mundo. És dos que merece, Diego.

Resta esperar por 2014 e conservar o entusiasmo. Para quem gosta, o Mundial é sempre uma realidade à parte.

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