"I have no choice but to direct my energies toward the acquisiton of fame and fortune. Frankly, I have no taste for either poverty or honest labor, so writing is the only recourse left for me." Hunter S. Thompson
domingo, 30 de dezembro de 2012
Spielberg voltou aos grandes filmes
Passaram sete anos desde Munique. Uma péssima sequela, uma péssima incursão na Animação e um ainda pior regresso à Guerra. Sentia-se o vazio, e ficavam dúvidas se, de facto, uma das lendas vivas da indústria seria capaz de recuperar a sua altitude, e fazer de um prato cheio como este, o que ele devia ser. Felizmente, Lincoln trouxe-o de volta. Bom gosto, cadência, inteligência e, acima de tudo, a grandiosidade que sempre o caracterizou. Não com a crueza da guerra ou o luxo visual que o celebraram, mas com uma maturidade e uma reverência notáveis, que se acumulam em cenas não raras vezes sublimes (e a que não é estranha, claro, a colaboração de velhos parceiros como o eterno John Williams, com mais uma bela banda sonora, e a Fotografia de Janusz Kamiński). Como já deixava antever o início da época dos prémios, Lincoln cumpriu mesmo as expectativas, e é um dos filmes maiores de 2012.
A acção centra-se nos últimos meses da vida do lendário Presidente americano que, foram, de alguma forma, o corolário do seu legado, com a abolição da escravatura e com o fim da Guerra Civil. O argumento adaptado de Tony Kushner merece todas as honras. Não será à toa que o seu último trabalho tenha sido também o último grande filme de Spielberg, o já mencionado Munique, em 2005. Nova parceria, novo sucesso. A chave é a capacidade notável para saber contar a história. O filme é biográfico, dependente de travessões históricos, mas Kushner recria-o com mestria, cheio de intimidade, de situações enternecedoras e privadas, de encontros pessoais passíveis de ser conhecidos só por quem lá tivesse estado, que dão ao filme uma personalidade absoluta e sedutora. A acção que vem nos livros ocorre como que num segundo plano - a guerra e o assassínio não têm expressão, por exemplo -, e o filme flui com a riqueza da recriação dos bastidores, sempre altivo, mas nunca sério demais, com uma dignidade humanizada, e com espaço para o escape e para uma familiaridade educativa e confortável. Para isto também contribuiu a excelente caracterização de personagens.
Day-Lewis continua a provar-se, de todas as vezes, um dos maiores actores do nosso tempo. Logo ele, que é tão entusiástico e intenso, teve de se ver com um papel de quem era a paz em pessoa. O discernimento, a paciência, a cultura, o vulto, o homem que nunca gritava, que tinha sempre o conselho candelar e a parábola para contar. A resposta, claro, foi brilhante. Day-Lewis é um colosso em tudo o que faz, e na pele do gigante Abe Lincoln não poderia perder tamanho. O ícone, o juízo, o riso e o entusiasmo cansado, a resiliência, o peso do mundo nas costas, e, acima de tudo, o cariz patriarcal, são tão genuínos, que quase custa a crer que Lincoln não tenha sido mesmo assim. Performance magnífica.
Num elenco absolutamente estonteante, Tommy Lee Jones está à altura do protagonista, o que diz quase tudo. É ele quem leva para casa a cena do filme, carismático, a falar grosso e a impor a força, mas profundamente comprometido com os seus ideais e com a coisa certa. Apesar de ser fã de Alan Arkin, e de ter feito uma vénia tremenda a Bardem, é ele quem deverá ganhar, com toda a justiça, o segundo Óscar de Secundário da carreira. Numa personagem com pouca empatia - Mary Todd é retratada como uma mulher deprimida, possessiva e de trato difícil -, Sally Field é fidedigna no desconforto e no baralhar emocional da acção, e merece o crédito. E fique uma nota de rodapé para o grande James Spader (Boston Legal), no seu registo gozão e mundano de sempre.
Mal apareceu no horizonte, as expectativas dispararam. A melhor coisa que se pode dizer de um peso pesado é que viveu para estar à altura delas. Lincoln chegará aos Óscares com todas as razões para crer que pode roubar a noite.
8/10
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