terça-feira, 24 de abril de 2012

Os donos do 25 de Abril



"Sou solidário com os 'capitães de Abril'. Acho que o 25 de Abril foi uma grande revolução, e acho que a política que se está a seguir é uma política contra aquilo que é o espírito do 25 de Abril. Vou fazer isto: ser solidário e não ir também às comemorações a que fui sempre"
Mário Soares

Lamentar o 25 de Abril é o nosso fetiche. Tenho 21 anos, e acho que não me lembro de uma vez em que tivéssemos sido unânimes sobre os efeitos da Revolução, e agradecido a deus por não vivermos numa ditadura que perseguia, torturava e matava pessoas. Não não, para nós o 25 de Abril é um cancro nacional, uma oportunidade perdida, um jorro de dinheiro que se esvaiu, um povo que não aprendeu, que não evoluiu, um povo que se perdeu, um povo que, no limite, era capaz de estar melhor no Estado Novo. Ninguém gosta do 25 de Abril, e o 25 de Abril não tem verdadeiramente nenhuma virtude. O 25 de Abril só foi bom quando aconteceu. Um dia o 25 de Abril teve todo o esplendor do mundo, foi perfeito e infalível. Nos 40 anos seguintes, foi a razão do nosso choro, da nossa pena e do nosso falhanço colectivo. Todos os problemas deste país são o 25 de Abril. Dizer mal do 25 de Abril, do que fomos depois dele, é o desporto nacional. É como bater no ceguinho, liberta-nos. Tão melhor que estávamos numa ditadura que perseguia, torturava e matava pessoas.

A decisão de Mário Soares, Manuel Alegre e dos capitães de Abril em faltar amanhã às comemorações na Assembleia da República é de uma grosseira falta de respeito. Eles viveram o antes e o depois, eu não. Mas são eles quem enche o peito e, de tão importantes, ficam em casa, no momento pós-Revolução em que o país mais precisa deles. As estrelas são eles, isto é o palco deles, olhem para eles, ou, como disse Manuel Alegre, o protesto tem "um grande significado político, que não deve ser ignorado". Porquê? Porque as estrelas não vão estar lá.

Soares foi autoridade durante 20 anos, Alegre deputado durante 30, os capitães lobby há 40. Mas, quais decanos do profético desígnio nacional, são inculpáveis pelo estado a que o país chegou. Eles foram os profetas, os poetas, a inspiração. Se isto não é a Utopia, é porque o Sócrates e o Passos Coelho meteram água, é porque nós, de alguma maneira, não soubemos estar à altura. Então, como o 25 de Abril é deles, ficam em casa, porque nós somos capazes de não conseguir viver com isso.

Soares, Alegre e os Capitães foram o que foram, mas não são o 25 de Abril. No máximo, deviam viver para estar à altura do que um dia tornaram possível. Se acham que este é o momento para dizer que o 25 de Abril não valeu a pena, não estão.

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