sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Ainda o duelo

Pelé faz amanhã 70 anos. Para muitos o Melhor Jogador da História, FIFA incluída, o brasileiro fez por começar uma semana tão especial, e na qual teria sempre a atenção mediática de que tanto gosta, bem cedo: veio insistir que Maradona, além de não jogar de cabeça nem de pé direito, é um drogado, e que drogados nem são exemplo, nem deviam ter trabalho. Ou seja, os anos passam, mas a obsessão continua a mesma: Pelé não existe sem Maradona, não é falado sem Maradona, e cúmulo, nem sequer é notícia sem ele, mesmo às portas dos seus jubilosos 70 anos.

Com 20 anos, é evidente que não vi nenhum dos dois jogar. Nunca lhes poderei julgar o talento, mas poderei sempre absorver o mito, e, sobretudo, ver o que, tantos anos depois, os dois representam. António Boronha escreveu uma vez que, entre os dois, o maior seria sempre Maradona, porque um viciado em droga merece mais respeito do que um viciado em dinheiro. Devo dizer que, para mim, Pelé sempre foi isso: um viciado em dinheiro. Da publicidade ao discurso, do politicamente correcto ao carácter, sempre o vi obcecado por aparecer e doente por atenção. Só o concebo nessa sua construção eterna de homem-modelo, a imagem que idealizou para se associar às multinacionais e fazer render.

No processo, contudo, nunca conseguiu disfarçar a sua profunda falta de carisma, e é por isso que, por milhares de votações que o elejam o maior seja do que for, Pelé vai ser sempre um personagem secundário na visão da grande maioria dos seguidores do futebol como desporto-paixão. Porque qualquer um pode construir uma imagem, mas ninguém pode construir empatia. E Maradona é exactamente isso.

Foi consumido pela cocaína, dopou-se, aproximou-se da Máfia, falhou e voltou a falhar, desiludiu, perdeu, agrediu e ofendeu mas foi sempre, sempre, genuíno. Maradona exala o que sente, mobiliza e apaixona, e continua a ser, em tudo o que faz, maior do que a própria vida que foi tão ingrata para com o seu talento. Maradona é daqueles de seguir até à morte, porque temos a certeza que existe convicção até no seu gesto mais pequeno. Isso não se compra nem se constrói. E sim, talvez ele nunca vá ser um exemplo. Mas, para mim como para muitos outros, será sempre uma inspiração.

É por isso que, mesmo com os tais 30 anos a cimentar o mito, se compreende facilmente o porquê de, ao auto-intitulado Rei, continuarem a não bastar os mil golos, os três Campeonatos do Mundo, a adoração do seu país, o endeusamento da própria FIFA, o patrocínio da Mastercard ou os 15 milhões de euros que alegadamente faz por ano em direitos de imagem. Infelizmente para ele, Pelé só queria verdadeiramente o que nunca vai poder ter: devoção da parte de quem o segue. A mesma devoção que fará perdurar um baixote gordo que se drogava e que, para o Rei, não sabia jogar de pé direito nem de cabeça.

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