quinta-feira, 27 de setembro de 2012

O exemplo


François Hollande é Presidente francês desde Maio. Nestes 4 meses, fez o que por cá se assimilaria a uma revolução: suprimiu, primeiro, todos os carros oficiais do governo, e mandou que fossem leiloados, porque "se um executivo que ganha 650 mil euros por ano não se pode dar ao luxo de comprar um bom carro com o seu rendimento do trabalho, significa que é muito ambicioso, é estúpido ou desonesto, e a nação não precisa de nenhuma dessas três figuras"; reduziu, depois, em 25% o salário dos funcionários do governo, em 32% o dos deputados e em 40% o dos funcionários públicos.

É simbólico, claro. O efeito de medidas destas é residual, não resolve défices, não resolveu os problemas franceses. Até haverá quem lhe chame golpe publicitário. Não era preciso fazer nada em relação a isto, mais valia deixar no abstracto, continuar a usufruir. O povo ia reclamar, ia ouvir que não entendia, e ia acabar por esquecer. A tomada de posição garante-nos, porém, decência e transparência. Mostra carácter. Nunca vamos estar todos no mesmo barco, mas as pessoas respeitam quem dá o exemplo.

Em Portugal, é tudo dolorosamente mais complicado. Demagogias destas nem pensar, que somos um povo sério, e as gentes do Executivo precisam de comer. Para fingir que enxugamos o nosso Estado gorduroso, basta-nos acenar aos telejornais com as Fundações e garantir um ciclo noticioso, só para, em dois tempos, percebermos todos como aquilo era uma caixa de Pandora. Então, e enquanto levamos com uma avalanche de merda na cara, que não terá rigorosamente NENHUM efeito prático (o Governo paga todas, mas só tem poder para fechar 4 das 800 fundações que existem...), enchemos a boca para mostrar ao povo o trabalho feito.

E porque estamos mesmo comprometidos, não temos medo das medidas difíceis. Então vamos cortar os tratamentos mais caros para o cancro, para a sida e para o reumatismo, segundo um parecer assinado por Miguel Oliveira da Silva, que veio defender, na RTP, que "mais dois meses de vida não justificam um tratamento de 50 mil euros." Esta indiferença pavorosa é o legado ideológico deste governo. Matar a podridão do aparelho de Estado é coisa difícil, é melhor não mexer; que se deixe morrer, pois, esta mercadoria que só dá despesa. Um doente barato é um doente morto, já dizia Ceausescu. Aonde é que chegamos, caralho.

Não sei, de facto, se disciplinar a orgânica do Estado nos resolvia alguma coisa. Sei que essa vaca sagrada dá mama a muita gente, e que o melhor é fazer crer aos tolos que ela é só um pormenor, enquanto são eles próprios os cordeiros de sacrifício. Nestes dias negros, o pior não é não termos um líder; a maior tragédia é não termos sequer um exemplo. 

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