segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Obrigado


Faz agora quatro anos. Estava no Porto há tão pouco tempo, aquela era a primeira apresentação oral de um miúdo a mais de mil km de mar de casa, nervoso, incerto, com 60 ou 70 pessoas na sala. Sei que falei rápido, sei que nunca se tem a certeza de como corre. Quando acabei, porém, ele levantou-se, de propósito, e foi dar-me um aperto de mão. Notou-me o sotaque, perguntou de onde é que eu era, e deu-me os parabéns. Disse que tinha tido uma ou outra dificuldade a seguir-me, mas que também ele estava longe de casa, e que eu não desarmasse, porque tinha feito um bom trabalho. Nunca poderei ter a certeza se ele conseguiu mesmo acompanhar a minha apresentação. Sei que ele, um vulto, fez questão de, nesse "primeiro dia", ir lá garantir que eu não estava sozinho. Foi esse o dia em que o conheci.

Nos anos seguintes, pude conhecer o gigante. Mesmo quem não gostava dele, não pode negar que ninguém lhe ficava indiferente. É esse o maior elogio que lhe posso fazer. Na Academia como na vida, ninguém precisa dos imparciais, dos politicamente correctos, dos vulgares, dos que não se comprometem. O Milan acreditava em tudo o que dizia. Falava de política e de jornalismo e de relações internacionais como se estivesse em campanha, como se aquilo fosse sempre com ele. É que viveu muito, ele. Teve de fugir de casa, fugiu da guerra, deixou a família para trás, passou fome, como nos disse um dia. Para ele, a política era mesmo coisa pessoal. E não admitia que fôssemos ligeiros, óbvios, que facilitássemos. Se era para ele, tínhamos de discutir muito, pesquisar mais, pensar longe, fazer melhor. Quem não gostava dele, era melhor por causa dele. Quem gostava, sabia o quanto valia a pena.

Há professores bons e maus. O Milan não era um professor, era um apaixonado, que umas quantas gerações tiveram o privilégio de ter como professor. Coisa que não se paga e que jamais se esquecerá. Espero que hoje, dia em que morreu, tenha tido a consciência de para quanta gente foi uma honra estar na mesma sala do que ele.

3 comentários:

C● disse...

Lembro-me perfeitamente desse dia Paulo. Lembro-me de estar a pensar que precisava de um tradutor mas de gostar da postura e do que ia entendendo.
lembro-me dessa atitude e de pensar "ainda bem que há pessoas nesta posição que se importam e que o sabem mostrar". Vocês (madeirenses :p) vieram a ser importantes, mas nesse dia ele mostrou-me como nuns segundos se controi uma reputaçao e se criam expectativas.
correspondeu (obrigada).

obrigada Paulo, por dizeres o que pensamos, mas melhor ;)

Sonhadora disse...

Grande texto. Simplesmente maravilhoso e onde se denota a tua genialidade e sensibilidade .

Daniela Dias Teixeira disse...

Também me lembro da tua primeira apresentação para o Milan! Foi marcante porque me lembro de estar a pensar "de que buraco madeirense é que saiu este tipo, que eu não percebo metade do que ele diz?!".
O Milan foi marcante e vai continuar a ser, nunca se morre completamente quando se está tão vivo na memória e no saber de tantas pessoas.