terça-feira, 6 de novembro de 2012

Os Óscares das eleições


As Presidenciais americanas continuam a ser um mundo à parte.

Os Estados Unidos são menos globais nos dias que correm, cambalearam na crise e, mais do que nunca, os candidatos falaram para dentro. A velha Europa, afectada e mergulhada nas suas próprias falências, assiste cada vez mais de longe, e a lógica devia ser que o mediatismo se esbatesse. Mas não. As Presidenciais americanas continuam a ser o evento político mais marcante do Ocidente, o acontecimento que nos toca a todos, que toda a gente quer saber, e onde todos temos um favorito. Goste-se ou não, não há paralelo para o impacto cultural que vem do outro lado do Atlântico. Também pela noite dentro, as Presidenciais são os Óscares das eleições, e desconfio que nos merecem bem maior devoção do que as nossas.

Presente no ideário de todos ainda está a campanha icónica de Obama, em 2008. Nunca deixará de estar. Com o entusiasmo, o carisma e o vulto de um quase profeta, foi feita da massa com que se cimentam os mitos. Ouvir Obama num clip de dois minutos, era quanto bastava para que ele fosse o político da nossa geração. Por mais erróneo que isso deva ser, as propostas passam e a áurea fica, e Obama foi um meteorito que nos incendiou casa dentro. Foi a reencarnação do Estadista, uma lenda viva e a respirar e, deste lado do Atlântico, uma quase rock star, que teria ganho a UE com 90% de votos, se fosse preciso. Nos EUA teve de suar, mas depois demos-lhe o Nobel da Paz, em reconhecimento. Ainda não tinha feito, mas fazer crer que podia era mobilizador que chegasse.

4 anos depois, mudou muita coisa. A crise foi um desconstrutor de mitos, e o Gabinete lembrou o pragmatismo da política. A campanha era a parte fácil, depois é que vinha a sobrevivência, e essa devolveu Obama à crueza da realidade. Teve de ser ele a cara de um país a ruir com a 2ª pior crise financeira do século, e o pensador tornou-se operário, um operário que nem ele conseguiu tornar na solução perfeita. Os bancos faliram, o desemprego não foi passível de conter, e ser "socialista" em tempo de crise sacrificou a dívida. Tudo junto, e o que, em 2008, parecia um mandato de 8 anos, será jogado novamente taco a taco. A política é tudo menos adquirida.

4 anos depois, até pode ter mudado muita coisa mas, para mim, não mudou o essencial. Descobrimos que Obama não é um super-herói, mas podemos dizer, com certeza, que continua a ser um político imenso, uma figura inspiradora, e um líder admirado pelo resto do mundo. Sobre a sua política interna, terão de ser os americanos a dizer de sua justiça, mas, numa altura perigosa, ter no Gabinete quem defenda o Estado Social, controle o grande capital, seja distante dos maiores lobbies financeiros e não seja militarista, parece bom o suficiente. Se esse alguém é Obama, então que se ponham as fichas todas nele.

Romney não é nenhum monstro. Foi demagógico, contradisse-se, e falou com a ligeireza própria de quem é impreparado para a política por natureza . Mas é uma figura respeitável e um magnata de peso que, na terra do self made man e do american dream, materializa a voz de cerca de metade do eleitorado. A nós, até pode estranhar que se fale assim, mas, bom ou mau, assim é meia América, como, de resto, provarão as eleições de hoje. No fim de contas, tudo se resume à corrida entre uma Direita e uma Esquerda plenamente identificáveis, das convicções à acção governativa, coisa que, na nossa política de híbridos, é um privilégio que não temos a sorte de gozar.

Vi 7 temporadas de West Wing, o suficiente para conceber ainda melhor o thrill impagável e inacompanhável que será a noite de hoje. Um mundo à parte, como já disse, com o resto do mundo a ver. Ventila-se o empate técnico há semanas, mas não consigo crer que gigantes possam cair assim, portanto, "eat'em up, sir", nesta verão de "Bartlet for America", ou tudo o que mais apetecer do velho jargão democrata de West Wing. Hoje, a noite tem de ser azul, uma vez mais.

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