"Todos sabem que o silêncio do Presidente da República é de ouro, hoje a cotação do ouro foi 1730 dólares por onça, uma onça são 31 gramas, mais 1,7% do que a cotação do ouro naquele dia de setembro em que a generalidade dos portugueses ficou a saber o significado da conjugação de três letras do alfabeto português: "tê, ésse, u" (TSU)"
Excerto do stand-up de Cavaco, ontem à noite
Heróis do mar, ainda há esperança! O desemprego sobe, os salários baixam, vão-se os subsídios, aumenta o IRS, o IVA e o ar na rua, os jovens emigram, a troika puxa-nos a trela, temos greves todos os dias e estamos quase a incendiar a Assembleia. Mas afinal há esperança, nação valente. Não que já não soubéssemos todos que, ao menos, temos o privilégio de ser liderados por um estadista nestes tempos amargos. Deus dá as piores batalhas aos seus melhores soldados, e a nós, reencarnou-nos o Afonso Henriques, deu-nos um John Connor do futuro para velar por nós, pôs-nos no Palácio o segundo líder mais carismático do Ocidente, e segundo se não estiver num dia bom, o Obama que se amanhe.
Ontem, estava num dia bom, graças a deus. O povo até amanheceu mais contente, o dia até pareceu mais bonito na rua. O Cavaco não falou, nobre povo!, o Cavaco fez piadas num jantar. Foda-se, é que já nem tristeza, nem frustração, nem falta de dinheiro deveis sentir! Muito menos fome, nação imortal, ou não soubéssemos que o nosso Grande Líder passa ele próprio as passas do Algarve, e ontem fez de luz da nossa vida só com uma côdea de pão bolorento no estômago, ou provavelmente nem isso.
Na Grécia, o Presidente Papoulias (83 anos) disse isto há um par de meses: "Não aceito insultos ao meu país feitos pelo senhor Schäuble. Não aceito isso como grego. Quem é o senhor Schäuble para ridicularizar a Grécia? Quem são os holandeses? Quem são os finlandeses? Teremos sempre orgulho em defender não apenas a nossa liberdade, não apenas a liberdade do nosso país, mas a liberdade de toda a Europa." Que exibicionista barato. Nada que se compare à dignidade do beato Cavaco, que, nesse mesmo dia, estava custosamente de pijama, debaixo dos cobertores, a tentar congeminar uma boa piada ou duas, só para nos aliviar a dor assim que possível, ou seja, daí a uns 6 meses, quando saísse da Alegoria da Caverna em que vive.
O Conquistador fez de nós um país, o Rei-Poeta lançou-nos as bases modernas, o Príncipe Perfeito fez de nós a potência global. Daqui a 100 anos lembrar-se-ão do Obama branco, do Presidente que, conta a lenda, vivia numa torre como a Rapunzel, e tinha feito um voto de silêncio como a Irmã Lúcia, mas que, quando se dirigia a um país em agonia com a segunda maior crise económica do século, país cuja única certeza era que não podia contar com ele para nada, ainda era patriarca para consolar os conterrâneos, com nada menos do que umas piadas pseudo-paliativas sobre o seu impensável e insuportável vazio político.
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