sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Sem apedrejar a polícia não vamos lá


Faz-me muita confusão o entusiasmo das pessoas sempre que há fogo e pedradas às portas da Assembleia. O "isto agora é que vai ser a sério", "se não for assim não vamos lá", "eles agora vão ver", e afins mais pseudo-românticos do léxico das revoluções. As pessoas gostam de encher a boca para dizer que isto só se resolve é com o exército, ou com batatada e com coisas partidas e a arder. E falam sempre com uma certa convicção bacoca, com ignorância disfarçada de maturidade, com uma falsa e insuportável altivez de milhafre ferido na asa, como se soubessem melhor e falassem em custosa consciência, e aquilo não fosse só papagaiada que fica bonita no facebook, desde o sofá de casa. Como se um país onde, de repente, toda a gente agarrasse em calhaus na rua e atirasse a casas, carros e lojas, e incendiasse esta merda toda, e se trocasse a democracia por um estado de sítio militarista qualquer, fosse um país melhor para se viver.

Não sou partidário de manifestações, muito menos de greves, especialmente quando são sacadas em catadupa, como se de uma brincadeira corriqueira se tratassem, e, ainda por cima, quando são exploradas por classes que deviam ter mais vergonha na cara, com todo o sector dos transportes à cabeça. Contudo, respeito sinceramente quem faz greve em consciência, e vai às manifestações. Quem faz greve porque já só vê a sua vida a andar para trás, porque uma vida de trabalho lhe vale cada vez mais nada, ou pior do que isso. Quem tem os filhos na mesa à espera de comer, e já não sabe quando é que lhes vai falhar. Quem quer ter uma oportunidade de começar, e, se for um dos sortudos, arranja trabalho escravatório. Não tenho dúvidas de que a grande parte dos que saem à rua, sai porque precisa, e isso, pura e simplesmente, não se julga, porque amanhã pode calhar a qualquer um de nós.

Agora, sob nenhum prisma, as greves e as manifestações devem ser uma coisa de que se goste. Uma coisa onde se veste a camisola, onde há essa aberração chamada piquetes, para demover quem quer trabalhar, ou um caos que apreciamos à noite na tv, e nos dá aquela tal chama heróica. Greves e manifestações são uma infelicidade, um último recurso, que nos devia afectar, e que devíamos todos desejar não ser necessário. Não são um circo nem um filme giro. São uma coisa séria com um objectivo pragmático: fazer-se ouvir com o civismo próprio de uma democracia.

Parece-me razoável dizer que atirar entusiasticamente pedras da calçada à polícia, e meter 21 agentes no hospital, é um episódio triste, que não dignifica a democracia, nem faz nada por nós. Não é fácil ver, depois, a polícia a carregar em força o justo pelo pecador, e assistir à casa dos horrores em que aquilo se tornou, com idosos, e todos quantos estavam lá a bem, a sofrerem por tabela. Diabolizar, porém, a polícia, achar que aquilo podia ter sido controlado com um par de palmadas a 2 ou 3 rapazes mal-comportados, é absurdo. As pessoas têm tanto o direito de manifestar-se, como o dever de o fazer civilizadamente. Quem acarinha estes espectáculos tristes de foguetes e pedradas, não tem moral para condenar quem está lá a fazer o possível para garantir, a quem joga pedras, que ainda há limites, e que o poder ainda não caiu na rua. Isto ainda não é o terceiro mundo e, ao contrário do que muita gente parece pensar, não estávamos melhor se fosse. Oxalá não seja preciso nos arrependermos primeiro, antes de percebermos todos isso.

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