segunda-feira, 23 de junho de 2014

Copa, dia 10: cortinas de fumo


Argentina 1-0 Irão

Não pensei viver para ver Queiroz ser o líder de uma 'equipa do povo'. Que o Irão tivesse segurado o nulo a ferro e fogo já seria verdadeiramente notável; que ainda tenha roçado a vitória em 2 ou 3 momentos deixa-me sinceramente boquiaberto. Não sou fã de Queiroz, não lhe reconheço competências humanas, nem acho que seja o treinador de nível mundial que tanto se intitula mas, ao longo da carreira, o português adquiriu realmente competências tácticas e um calejamento de alta competição que, a juntar à sua ambição, sobretudo neste tipo de selecções, pode criar um cocktail acima da média. Nos últimos 6 jogos em campeonatos do Mundo, as suas equipas sofreram... 2 golos: um da Espanha campeã, outro dum extraterrestre. Vénia quando ele a merece. No cume, o episódio incontornável: que o penalty sobre Dejagah não tenha sido marcado é uma vergonha incompreensível. O Mundial parecia ter entrado nos eixos, mas que isto continue a acontecer sempre aos mesmos, num contexto tão limítrofe quanto titânico, é absolutamente devastador.

A Argentina há de estar a suar frio. A estreia com a Bósnia foi miserável, o jogo de Sábado também fala por si. Em ambos, 'o favorito com o melhor ataque' foi uma equipa atrofiada, com o nível estratégico de uma parede. A táctica argentina, por um dia mais, resumiu-se a duas palavras: Lionel Messi. Deu para ontem, deu para hoje, talvez dê para amanhã, mas é certo que chegará o dia em que os relâmpagos de génio do predestinado não poderão maquilhar um tamanho vazio técnico.


Alemanha 2-2 Gana

Há duas ideias centrais que me importam defender: a primeira é que o tropeção da Alemanha foi efectivamente uma grande surpresa. O empate, porém, não torna os homens de Low remotamente menos favoritos, nem lhes pode pôr em causa o que quer que seja. A Alemanha deu, até ver, a maior mostra de superioridade colectiva do Mundial, por piores que tenhamos sido; achar agora que a Mannschaft afinal não é assim tão boa é uma barbaridade. Tal como aconteceu à Holanda frente à Austrália, os níveis de competitividade ressentem-se sempre depois de tamanhas vitórias, sobretudo frente aos que estão identificados como maiores rivais do grupo.

Depois, é evidente o mérito do Gana, o que vai de encontro ao segundo tópico que queria defender. Ao contrário do que muita gente parece achar, por desconhecimento, calhou-nos um grupo tão duro como os da morte. O Gana que, no último Mundial, ficou a centímetros de ser a primeira selecção africana a jogar umas meias-finais, continua a ser, indiscutivelmente, a melhor esquadra do continente. É uma equipa bem orientada, com uma qualidade individual altíssima, agressiva e eminentemente atlética. A chocante derrota inaugural foi só, como tive oportunidade de então constatar, uma partida do destino. A exibição de Sábado, por seu turno, não sendo adquirida, dificilmente pode surpreender quem andasse de olhos abertos. O contexto era desfavorável mas, em vez de pesar, exponenciou-lhes a personalidade. O talento e a espantosa capacidade física fizeram o resto, frente a um adversário que, na minha opinião, também os subestimou. Neste momento, o Gana é claramente mais forte do que Portugal ainda que, em virtude do desastre de ontem, os tenhamos eliminado tanto como a nós próprios.


Nigéria 1-0 Bósnia

A eliminação da Bósnia, à segunda jornada, equivale-me a todos os maiores choques a que o Brasil já deu palco até agora. Teria apostado dinheiro em como os bósnios não só se qualificariam sem problemas, como iam impressionar e, quiçá, dar até uma dor de cabeça à Argentina. A crueza do desfecho, num dos dois grupos mais acessíveis da prova, condenou de forma mais seca tanto a falta de experiência, como a falta de... ambição. A Bósnia ultra-ofensiva, que nos fez vida difícil duas vezes nos últimos quatro anos, teria encontrado o seu espaço neste Mundial. O que vimos, porém, foi uma equipa assoberbada pelo medo de falhar e que, ironicamente, deu o passo para o abismo justamente por causa disso. Por discutível que isto soe, acho que o jogo-chave foi a estreia. Não pelo resultado, que era sempre expectável, mas exactamente pela postura. A Bósnia foi uma sombra triste do que mostrara em tempos e, alegadamente mais madura e resultadista, contentou-se a especular com o empate. Devia ter sabido que, no Mundial, mais do que em qualquer outra paragem, a sorte protege os audazes.

Na negra, uma Nigéria que é evidentemente inferior, mas que não tinha nada a perder, escalou esse drama existencial. Claro que há um golo mal anulado a Dzeko e há, ainda mais, aquela desoladora bola ao poste no último segundo, mas o essencial estava contado. A Bósnia não foi ambiciosa quando devia, e já não teve tempo quando o quis. Uma pena.

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