Holanda 2-1 México
Foi o que de mais parecido este Mundial já ofereceu a um episódio da Guerra dos Tronos. Estava tudo bem, era como se já tivesse acabado e, por uma vez, o herói ia ganhar. Ochoa voltara a ser um extraterrestre, houve a centelha de génio na frente e o resto era a obra do carácter único de uma equipa com a qual já tínhamos aprendido a sonhar. Sem a hipertensão com que contáramos, num certificado de maturidade e competência, o México ia mesmo concretizar serenamente um destino surpreendente mas que todos quantos o têm visto sabiam ser verdadeiramente possível. Os últimos cinco minutos são uma bastonada no corpo todo. A sensação de impotência foi grotesca, o requinte maquiavélico do fim engoliu-nos por dentro e restou-nos ficar a olhar para o ecrã adormentados, esmagados perante o choque. O sonho acabara-nos de ser arrancado ali, sem aviso e à traição, como numa armadilha crua que, afinal, nunca poderíamos ter ganho.
O jogo foi diferente do que se podia prever. Nem os mexicanos conseguiram emprestar-lhe a sua notável dinâmica, nem a Holanda soube ser elegante com bola. Pelo menos até ao golo de Giovanni, foi uma partida pragmática e renitente ao risco, com ambas as equipas, em 3-5-2, a conservarem linhas baixas, a pressionarem pouco e a privilegiarem o equilíbrio, ou seja, a mandarem gelo sobre o campo, num dos dias em que, de resto, o calor também foi uma das mais incontornáveis condicionantes. Num perfil mais próximo do que a Holanda sabe fazer, o México foi, contudo, mais perigoso. Com paciência e menos excesso, os tricolores perceberam que defendiam melhor do que o adversário e que, afinal de contas, o registo podia-lhes até servir melhor. O 1-0, apesar de não decorrer dum domínio claro, foi o corolário da única equipa que tinha tido efectivamente oportunidades para marcar.
É um lugar-comum dizer que os golos mudam as equipas, mas há, de facto, uma Holanda antes e outra depois do golo sofrido. Três jogos depois da goleada ao Campeão do Mundo, a Laranja é hoje uma charada táctica que começa a ser difícil de compreender. Van Gaal tem usado dois sistemas por jogo e rodado peças com uma compulsão que até aos jogadores me parece estranha de assimilar. Kuyt e Blind, por exemplo, jogaram hoje em três posições diferentes!?, o que é, pelo menos, bastante inortodoxo. Nesta alienação teórica, a Holanda pareceu, até ao golo mexicano, simplesmente convencida de que o tempo corria a seu favor, de que um golpe dos génios estaria sempre no fim da história. E estava certa, mesmo que por linhas tortas. Pelo que fizeram na última meia-hora, os holandeses justificaram a chance. Mesmo sem o compasso de outras tardes, a equipa foi com tudo o que tinha e acabou por triunfar nos seus próprios termos: pelo génio dos seus ases - melhor jogo de Sneijder no Mundial, mais o Robben normal - e pelo seu extraordinário sangue frio.
No segundo do empate, achei honestamente que o prolongamento era justo. Que se uma destas duas enormes equipas tinha de cair, pois que a outra sofresse e o honrasse o suficiente. O futebol, porém, tinha em mente outro tipo de sacrifício. Mais radical, finito. Definitivamente mais cruel. O adeus do México seria sempre um dia triste. Só não tinha de ser desumano.
MÉXICO - Deus Ochoa, ou 'Oshowa', como lhe chamaram os brasileiros na semana passada, fez mais uma partida inesquecível. Ir embora nos oitavos é como ficar em 4º nos Jogos Olímpicos: é já teres uma história, mas morreres na praia do reconhecimento. Não há ninguém no México que merecesse mais a qualificação histórica do que o melhor guarda-redes do Mundial. Mesmo que em apenas quatro jogos, porém, as suas paradas insuperáveis serão lembradas para a posteridade. Na próxima época, estará numa equipa à sua altura. Num dia de futebol ingrato, que tenha sido Rafa Márquez a fazer o penalty fatal é outra perversão. O capitão foi sempre uma bandeira desta campanha e, hoje, fez mais uma exibição quase perfeita. Que pena. Muito bom jogo de Guardado no meio, outro dos que sai bastante valorizado. E golaço de Giovanni dos Santos, naqueles lances de génio que, por mais interminente que seja a sua carreira, podemos sempre acreditar que moram por lá.
HOLANDA - Mesmo quando tudo se torna confuso, podemos sempre confiar na simplicidade do talento. Por um dia mais, Arjen Robben voou quase sozinho rumo às estrelas. Nunca me posso cansar de dizer que há muitos grandes jogadores, mas que ele é um dos excelsos predestinados. Foi o seu génio vertiginoso que guiou a Holanda à sua sorte. No momento mais sensível da equipa até agora, apareceu Sneijder. O Pequeno Genial tem andado muito distante do Brasil, num modelo que, de resto, também não sabe exactamente o que lhe pedir. Hoje, porém, desdobrou-se no que foi preciso e propeliu todos à sua volta, mais o grande golo. Depay é mesmo uma das revelações da prova e começa a exasperar pela titularidade. Mais uma exibição do suplente de luxo, na ala esquerda.
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