quinta-feira, 26 de junho de 2014

Copa, dia 14: a canhota dos ricos, a dignidade dos pobres


Honduras 0-3 Suíça

Num dos dias mais pacíficos do Campeonato do Mundo, com os destinos decididos ou razoavelmente encaminhados, o palco foi de duas figuras maiores. Depois do trauma napoleónico, a Suíça estava bem ciente da tragédia que era poder falhar, quando tinha uma passadeira vermelha estendida. O estado emocional da equipa, todavia, deixou muito cedo de ser um problema, assim que o seu pequeno touro meteu da direita para o meio e, a 25 metros, desolou as redes hondurenhas com um dos golos do torneio. Seria o início de um dia histórico para Xherdan Shaqiri. O criativo do Bayern voltaria a marcar por duas vezes, em unha e carne com o ponta-de-lança Drmic que, por sua vez, bisou nas assistências. Depois de quatro! más campanhas sucessivas, a pior de todas a não qualificação para o último Europeu, Der General Hitzfeld qualificou finalmente a equipa para as eliminatórias, naquela que deverá a ser a sua despedida, e frente ao próprio adversário que lhe sabotara os planos há quatro anos. A Suíça tem um plantel de muito bom nível e uma equipa bem organizada, que teve o mérito de saber valer-se do talento, sendo um justo qualificado. Ainda assim, a derrota com a França pesará sob qualquer julgamento e mancha no ar a ideia de que os suíços deixaram, na verdade, coisas importantes por provar. No papel, bater esta Argentina não é, na verdade, uma tarefa impossível, mas se sugerirem sequer dificuldades na transição defensiva, os suíços acabarão dizimados.


Nigéria 2-3 Argentina

Com a equipa já qualificada, Alejandro Sabella decidiu, mesmo assim, manter o onze argentino inalterado, certamente consciente do tanto que ainda tem a mostrar e de que todos os minutos podem ser úteis para engrenar. Por um dia mais, contudo, o suspeito do costume roubou a festa: este também já é o Mundial de Leo Messi. Numa equipa com pouco que a valha a não ser o talento cru, a Pulga tem-se dedicado a resolver jogo sobre jogo, como numa jornada incansável, em jeito de missão. Depois dos momentos assombrosos das duas primeiras jornadas, foi a vez de um Messi, hoje mais relaxado, servir um bis para sobremesa. A Suíça é superior a qualquer rival do grupo F, mas ainda não será exactamente o adversário que pode pôr tudo em causa. Seja como for, já sabemos que há Messi. E isso diz muita, muita coisa. O único parâmetro que se equivaleu ao #10 viria a ser a compostura nigeriana. De facto, os campeões africanos foram de ganas ao jogo, recuperaram duas desvantagens e, sinceramente, mereciam melhor sorte. A Nigéria, é bom lembrar, não era favorita à passagem e, não só se qualifica com dois clean sheets, como ainda jogou taco a taco com um dos candidatos. É, possivelmente, uma das surpresas mais subvalorizadas da prova. Não parece, contudo, possível ter estaleca para segurar o TGV que aí vem.


Equador 0-0 França

A França fez alterações e esteve na mesma em alta rodagem, tornando redundante o que já se sabia: a equipa sobeja talento, motivação e confiança (e até Pogba, que ainda faltava, já está em evidente crescendo). Só uma hecatombe pode prevenir que esteja, no pior dos casos, no grupo dos oito melhores. Só não ganhou hoje porque encontrou pela frente aquele que é, até ver, o mais altivo de todos os eliminados. Na crónica do jogo com as Honduras escrevi que, acontecesse o que acontecesse, os equatorianos já não envergonhariam ninguém. Hoje eles fizeram questão de provar-me verdadeiramente certo. Frente a um adversário tremendo, que quis mesmo ganhar o jogo, o Equador deu uma extraordinária demonstração de carácter, sobre todas as suas circunstâncias. À meia hora, a Suíça já ganhava por dois no outro campo, aos 60', Antonio Valencia expulsou-se  - a estrela foi, de muito, muito longe, o pior de todos - e, mesmo assim, foi irresistível a demonstração dos últimos 20 minutos. Em inferioridade, os homens de Reinaldo Rueda não só defenderam com tudo o que tinham (o guardião Domínguez foi uma das estrelas do torneio), como responderam para ganhar como se este fosse o seu Maracanã. É por equipas como o Equador que o Brasil 2014 está a ser um sítio tão memorável.

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