segunda-feira, 16 de junho de 2014

Copa, dia 4: ensaio sobre a cegueira


Argentina 2-1 Bósnia

Ao intervalo, o jogo entre dois dos ataques mais importantes da competição ameaçava decidir-se num auto-golo via bola parada, entre duas equipas com cinco defesas. De facto, na estreia do Maracanã, é difícil descrever o degredo exibicional da primeira-parte, a não ser que foram provavelmente os piores 45 minutos do Mundial até agora. Alejandro Sabella e Safet Susic entenderam convictamente que o caminho era caparem as respectivas equipas, em troca da ilusão de segurança patrocinada pela sobrepopulação atrás. Se, no caso do bósnio, foi uma sincera desilusão, no que respeita à albiceleste foi quase constrangedor.

A Argentina tem muitas coisas, tem, decerto, os melhores avançados do mundo, como sempre, mas nunca tem a sorte de arranjar um treinador. Não me vou estender na apreciação às qualidades tácticas de Maradona, porque a santidade vive muito acima dessas mesquinhezes mundanas, mas, de um Mundial para outro, os argentinos viajaram de um 4-2-4 para um 5-3-2. Se há quase um quarto de século a selecção não pisa uma meia-final do Campeonato do Mundo, deve-o quase inteiramente à tragédia que é nunca recrutar um treinador mais ou menos digno desse nome. Reconheço a Sabella, ao menos, a hombridade de não ser um radical: quando percebeu, afinal, que não tinha inventado a roda, voltou ao desenho habitual - o que, em sentido lato, equivale a deixá-los entrar na relva e atrapalhar o menos possível - e as coisas recompuseram-se. Mercê da infelicidade inaugural, a Bósnia forçou-se a sair do casulo e a Argentina pura, de rua, a que já nasce assim, teve, então, todo o espaço e todo o desequilíbrio que lhe corre no sangue. Mesmo a provável contra-gosto do seu treinador, vimos finalmente futebol. A vitória é indiscutível - também por demérito do adversário - mas essa não é a conclusão essencial: se é garantido que a Argentina vai voar imperturbada no seu grupo, que ninguém ponha aos mãos no fogo quando chegar o primeiro adversário a sério.

Depois de quatro anos a verem-nos roubar o sonho, os bósnios chegaram finalmente a uma fase final pela porta da frente. Ganharam o grupo de qualificação e foram o 4º melhor ataque da zona europeia, com Dzeko e Ibisevic no pódio de marcadores. Num romântico 4-1-3-2, Susic disse, ao longo dos últimos dois anos, que essa era uma ideia de futebol pela qual valia a pena lutar... só para, no primeiro jogo mundial da História do país, com um adversário gigante e sem pressão, a filosofia atrofiar-se como num golpe de magia, caíndo um avançado para entrar um quinto defesa. A Bósnia teve, pois, o jogo horrível e a derrota que mereceu. Continua a ser favorita à passagem, dada a miséria franciscana do grupo, mas provas de pequenez deixam sempre as suas marcas.

ARGENTINA - Nos últimos tempos, tem sido quase redundante dizer que Di María foi o melhor em campo, mas sim, mal se recuperou da catanada estilística do próprio treinador, foram dos arranques radicais de Angelito e da sua condução limítrofe que a equipa mais pôde viver. No miolo argentino, Mascherano parece mais barcelonista do que no próprio Barça. A equipa é desequilibrada na abundância, toda a gente sabe, mas o sucapitão é sempre o primeiro a dar a cara e, pela atitude, consegue ser melhor do que é realmente. Pipa Higuaín entrou muito bem e, claro... Messi fez uma daquelas.

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