sexta-feira, 27 de junho de 2014

Copa, dia 15: os bem-aventurados


Estados Unidos 0-1 Alemanha

O dia fica indiscutivelmente marcado pela qualificação de duas equipas que, mais do que não serem favoritas, eram consideradas as mais frágeis dos respectivos grupos. Aqui, o feito dos Estados Unidos é tanto mais impressionante: num dos grupos da morte, os americanos deram conta de afastar um semi-finalista do último Europeu e a ainda melhor selecção africana, sem disporem de quaisquer recursos que nos fizessem acreditar que isso era minimamente possível. Um desfecho destes nunca pode ser linear e tem, sem dúvida, um sem número de condicionantes, nomeadamente o demérito dos mais fortes e um vestígio de sorte. De facto, os Estados Unidos usufruíram de ambos, nomeadamente na vitória impossível da estreia quando, sem merecerem sequer empatar, ganharam nos descontos, com um canto chutado do céu. Seja como for, nunca abdicarei do princípio de que quem cumpre, justifica-o sempre. O jogo com Portugal provou isso mesmo. A equipa estudou, foi solidária e, em boa parte, fez a sua própria sorte. Não me parece que os americanos possam sobreviver a qualquer eliminatória, mas a passagem é extraordinária. Depois do 3º lugar em 2006, e à sua devida escala, Klinsmann volta a dar cartas num Mundial.

Da Alemanha, ressalvar a inatacável altivez competitiva. Assim que se começaram a vilipendiar as possibilidades de um arranjo entre as duas equipas, que as qualificasse às duas, tive vontade de rir. Só quem não faz rigorosa ideia do que é mentalidade alemã podia assombrar-se com isso. Mesmo em ritmo de cruzeiro, Low bateu o homem de quem um dia foi adjunto e ganhou o grupo como se lhe exigia. Todavia, depois do apocalipse da estreia, é hoje menos líquido o alcance desta Mannschaft, ainda que estar entre os oito melhores tenha de ser uma mera formalidade. Uma nota obrigatória para Thomas Muller: 9 jogos, 9 golos em Mundiais, aos 24 anos. Tão discreto quanto surrealmente eficiente, é um avançado - assim, em termos latos - realmente bestial. A máquina não podia ter melhor porta-estandarte.


Argélia 1-1 Rússia

É um desfecho igualmente impressionante, mesmo que os argelinos chegassem ao jogo decisivo em condições mais favoráveis, a precisarem de um único ponto para concretizarem o sonho. Acontece que a Argélia era velada no grupo do Irão e das Honduras, como a tríade de selecções rotundamente piores a estarem presentes no Brasil. Os homens de Vahid Halilhodzic até se prestaram a chocar o mundo no dia inaugural, batendo ao intervalo a super-Bélgica mas, tanto a remontada, como esse penalty caído do céu, por entre um deserto de futebol, pareciam destinar-lhes a mesma sorte. Por acaso, Rússia e Coreia não fizeram melhores coisas, pelo que o segundo jogo, contra os asiáticos, acabou por ser o oásis das Raposas do Deserto. Halilhodzic mudou meia equipa e acabou com uma goleada impensável: foi a primeira vez que uma equipa africana marcou 4 ou mais golos num Campeonato do Mundo. Hoje, eram realmente os norte-africanos a chegar moralizados mas, mesmo nestes termos... do outro lado estava Capello. No global, será justo reconhecer que a Argélia não foi a equipa mais forte em campo. Esteve a perder, foi ressuscitada pelo seu grande guarda-redes - M'Bolhi - e só subsistiu com muita vontade, até encontrar a porta para o paraíso na cabeça de Slimani. O avançado do Sporting voltou a ser decisivo e fez História: este foi o primeiro apuramento de sempre da Argélia para uma segunda fase. Notável.

A Rússia sai pelos fundos e deixa em aberto o reinado de Capello, depois de tamanho falhanço. Tal como no Euro-2012, a equipa foi desfeiteada no último jogo dos grupos, quando tinha todas as condições para passar. Por uma vez, Capello teve honestamente azar. Os russos, sem talento visível, e depois de terem perdido o seu melhor jogador à 25ª hora, foram superiores aos respectivos adversários em todos os três jogos!, o que dá que pensar. Não muito melhores, mas mais inteligentes, melhor preparados, no controlo. A verdade é que todos os tiros saíram pela culatra. A equipa marcou menos do que devia, nunca teve sangue frio, sofreu golos verdadeiramente indigestos e, como se não bastasse, foi vítima dos erros imperdoáveis do seu guarda-redes, Akinfeev, um dos homens que certamente mais desterrados sairão do Brasil. No fim, porém, as contas são sempre cruas. Don Fabio chegou ao Brasil com os honorários de treinador mais bem pago da competição, a Rússia com os pergaminhos históricos e com o diploma de qualificada directa. Num grupo destes, nem com todo o azar do mundo podia ter acabado assim.

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