terça-feira, 3 de junho de 2014

Jack Ryan: Shadow Recruit. O primeiro blockbuster de 2014 saiu vivo


As expectativas eram necessariamente baixas: em causa estava a enésima adaptação da espionagem de Tom Clancy ao cinema, num argumento cujas fundações eram um ataque russo aos Estados Unidos, o tema, por si só, mais espectacularmente explorado desde sempre por Hollywood. É escusado dizer que Shadow Recruit não reinventa a roda. Não traz nada de novo, não é excelente em nenhum ponto particular e é tão fiel ao heroísmo americano quanto seria de esperar. No entanto, dando esta palmatória à partida, sobra espaço para reconhecer que, na verdade, estamos na presença de um produto competente no género. O experimentadíssimo David Koepp (Jurassic Park, Mission Impossible, Spider-Man) juntou-se ao rookie Adam Cozad para conceber, pela primeira vez, um argumento original na saga, baseado apenas nas personagens de Clancy. No guião possível de blockbuster primaveril, salientaria, ainda assim, a boa capitalização dessas personagens, na caracterização, nos bons diálogos e no interrelacionamento, tendo em conta e a própria natureza ligeira do produto.

O factor diferenciador é, indiscutivelmente, Kenneth Branagh. O brilhante senhor norte-irlandês, nomeado a cinco Óscares!, foi a face maior deste regresso da saga Jack Ryan ao grande ecrã, 12 anos depois, assumindo a cadeira de realizador e o lugar de secundário de luxo. Na direcção, conseguiu resistir a espectacularidades desnecessárias, e emprestou uma temperança apreciável a um filme de acção, patente nos sucessivos momentos a dois entre as personagens. Optou pelo sangue frio cirúrgico enquanto pôde, como na primeira sequência no hotel, antes de eventualmente ter soltado os cavalos para a inevitável vertigem final. O filme não permitia milagres, mas notou-se a sua assinatura. Ainda assim, é na interpretação que tem de reunir os maiores elogios. O seu oligarca pós-soviético é formidável, em carisma e em densidade, e é, a grande distância, a melhor figura da película. Diria mesmo que a cena do jantar com Keira Knightley é coisa de outro campeonato.

O cast acabou por ser uma escolha feliz a toda a linha. Knightley também provou, sem esforço, que é de elite e puxou o filme furos acima, com Kevin Costner a sustentar bem a figura de mentor. Chris Pine, a seu turno, também continua a somar. Ainda não é um grande actor, e não sei se eventualmente vai conseguir dobrar o patamar, mas já é certo que não é só um poster boy de algibeira. Tem crédito, seriedade e consegue ser escuro e, com mais uma franchise nas mãos, repetiu as boas sensações de Star Trek e do Capitão Kirk. Shadow Recruit está longe de ser apaixonante, mas é provável que valha mais do que davam por ele, e dá, com certeza, uma tarde bem passada.

7/10

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