A declaração de intenções de um Campeonato do Mundo é quase tão antiga como ele próprio. Não há ninguém que goste disto e que não saiba enunciar, pelos dedos, todas as potências eterna e inevitavelmente candidatas, por mais retórico que isso acabe tantas vezes por ser. Já isolei Brasil e Espanha porque, na minha opinião, é de toda uma exigência diferente que estamos a falar. No andar seguinte, contudo, resgatam-se unanimemente dois velhos conhecidos.
Mais ou menos justificadamente, este é um Mundial para a Argentina há quase tanto tempo como é o para o seu arqui-inimigo. Não há nada com que a alviceleste pudesse alguma vez sonhar mais ardentemente do que com o Tri na areia brasileira, e se tudo pode ser posto em causa relativamente à equipa, a paixão que será emprestada a esse desígnio não. Individualmente, a profusão de recursos ofensivos é, numa campanha mais, estonteante e é inevitável selar tudo isso com um terço de cinco letras: Messi, Messi, Messi. Aos 26 anos, o messias das quatro Bolas de Ouro chega ao Rio de Janeiro praticamente na mesma idade com que um Deus converteu o universo há três decénios no calor do México, e essa alucinação radical é exactamente a medida do peso que Leo terá de carregar nos ombros. No Brasil, Messi viverá não só o torneio mais importante da sua carreira, como aquele pelo qual em toda a probabilidade se avaliará a sua lenda. Não digo isto com nenhum gosto especial, nem nada que o valha, mas a minha aposta é que falhará. Porque o Mundial é como navegar num buraco negro que mal pode esperar por esmagar-te os sonhos. Porque a Argentina tem muito, mas não tem um treinador. E porque, apesar do lugar nos livros, não acredito que Messi goze realmente da transcendência cósmica com que se pode ganhar isto sozinho, a tal que habitava cada fio de cabelo do Profeta.
A correr por fora, só vejo honestamente uma grande equipa. No Brasil terá passado quase um quarto de século desde que, em
Itália, a
Mannschaft roubou o Tri e o derradeiro sonho d'El Diego. Nos últimos 12 anos, por seu lado, os alemães perderam duas finais e três grandes
meias-finais internacionais o que, no seu dicionário, equivale à febre de uma obsessão. Se o Mundial pode descarnar as equipas que jogam com o coração, é possivelmente o oásis das que têm gelo nas veias. No ano passado, a final germânica da
Champions insinuava que a onda poderia ser um tsunami às portas do
Brasil, mas este ano foi menos esmagador e erodiu o bombardeiro de algum capital. Ainda assim, esta é uma história de mentalidade e de uma geração extraordinária de futebolistas que... nunca ganhou. A Alemanha é a única equipa com nervo e
legitimidade para reclamar uma final ao complô hispano-brasileiro.
A fechar este quinteto imaginário, a melhor selecção do Euro-2012, romanticamente massacrada na final de Kiev. Nenhum Mundial se faz sem a Squadra Azzurra, sem o Tetra em pessoa. Os italianos são, não só os penúltimos vencedores, como uma das raras equipas a ter intemporalmente em conta, aconteça o que acontecer. Um dos eternamente grandes. Desse excelso Europeu, onde poucos davam por ela, mantêm-se quase todos, Cesare Prandelli à cabeça, o que deve ser suficiente para estar optimista. A verdade é que a Itália não era favorita então, e não o pode ser agora. A Azzurra é só um misto bem bebido de veteranos, miúdos e jogadores-sombra, que põe a ilusão numa estrela com tanto de enfant terrible como de jogador de bola. É verdade que pode chegar para qualquer um num dia bom, mas não é honesto pedir-lhe mais do que o jogo bonito e o último poema de Pirlo.
Dos outros três maiores, confesso a curiosidade agridoce pela Inglaterra. Depois da prova de dignidade no Euro, os Três Leões voltam a dar caras com uma equipa que esbanja uma juventude entusiasmada quase sem paralelo, que merecia ser feliz. O problema é não haver casa mais assombrada que a de Sua Majestade. Partilhar o grupo com Itália e Uruguai é só mais uma partida do destino que, honestamente, não sei se os ingleses poderão contornar. Na França, a lesão de Ribéry anuncia-se avassaladora. Como se não bastasse a intratável lista de ausências forçadas, a ausência provável do Bola de Bronze na 25ª hora tornou-se quase chocante. Depois do caso Nasri, uma selecção que até prometia, do assombro de Pogba ao faro de Benzema, parece agora mais orfã do que nunca. As suas garantias acabam na passagem às eliminatórias. Finalmente, a Holanda será a mais frágil de todas. A perda de Van der Vaart veio só pungir as deficiências de uma equipa em falta de tudo, menos de Sneijder, Robben e Van Persie. Há Van Gaal, um seguro para todas as horas, e o diploma de vice-campeã em título mas, num grupo com Espanha e Chile, nada será demasiado surpreendente.
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