domingo, 15 de junho de 2014

Copa, dia 3: este país não é para velhos


Uruguai 1-3 Costa Rica

É possível pedir mais do que um Mundial encharcado de golos e repleto de golpes de teatro? Em boa verdade, o banquete que a Holanda fez da Espanha teria chegado para toda a jornada 1. O que não sabíamos era que isto estava só a começar. Nas últimas semanas, o grupo oficial da morte foi analisado como se praticamente só existissem três equipas: os três ex-campeões do Mundo, o campeão sul-americano, o vice-campeão europeu e a esquadra de Sua Majestade. No calendário, estaria reservada uma vaga para mero escape, uma espécie de jogo-treino com o pessoal das Caraíbas, para descomprimir as pernas e desempatar nos golos. Não sendo comparável ao primeiro choque do Mundial devido ao alcance histórico dos números, a vitória da Costa Rica sobre o Uruguai é até mais impressionante se atentarmos às probabilidades.

Em 2010, a Celeste foi a equipa-sensação, o escudo dos oprimidos, honrado com o 4º lugar e a Bola de Ouro de Forlán. No ano seguinte, chegaria mesmo a confirmação da coroa sul-americana, com a vitória indiscutível na Copa América. Por tudo isso, o Uruguai que chegou ao Brasil, altar do seu último título mundial, ainda estava bem dentro do coração da gente. Todavia, esta é uma equipa razoavelmente diferente. À primeira-vista, até mais interessada em jogar, tendo abdicado dos três trincos e apostado em dois alas. Contudo, para quem o futebol é um estado de espírito, como para os uruguaios, isso é menos linear. O antigo modelo era menos uma táctica e mais um atalho para proporcionar a intensidade febril onde a equipa tanto se sentia em casa; procurar mais caminhos seria útil para quase todos, mas para o Uruguai equivaleu a dispersão. Ao intervalo, mesmo sem desconfiar do que lá vinha, já se distinguia uma equipa insípida, bem intencionada mas sem competência para perturbar em nada, a não ser de bola parada. A impotência tornar-se-ia pungente mais tarde e, como é evidente, nada disto pode ser dissociado da ausência d'O Canibal. Suárez agrilhoado ao banco, a ver o castelo a ruir, é já das imagens mais duras do Mundial. Que não tenha sido lançado mesmo aí, prova que Luisito não está, de facto, em condições, e isso é o mesmo que derramar veneno no sangue charrúa. A guerra de nervos contra a Inglaterra será abismal.

Alheio a estas agonias existenciais da gente graúda, o futebol alegre bebido a rum, com vista para o mar das Caraíbas, teve um dos dias mais felizes da sua História. Na mente de todos os ticos pulsava o play-off homónimo de há quatro anos, quando o Uruguai reclamou o último bilhete para a Alemanha sobre a que então apelidou de Costa Pobre. A vitória dos costa-riquenhos, que ninguém poderia ver chegar, é, a todos os níveis, excepcional. O colombiano Jorge Luís Pinto foi fiel à matriz ideológica do país e encarregou-se de potenciar o seu velho 3-5-2, ainda que no campo seja mais do que isso: sem talento individual de excepção, a equipa é muito esforçada a defender, onde coloca muitas vezes seis jogadores, mas desdobra-se com apreciável dinâmica para o ataque, tendo quase sempre dois homens na linha de passe do miúdo Campbell. Depois do empate, as coisas saíram tão bem e os jogadores galvanizaram-se de tal maneira, que a Costa Rica jogou futebol, com toda a propriedade, como os melhores do torneio. A vitória foi inapelável e, ainda por cima, foi valorizada por um Uruguai cujo tempo e as circunstâncias parecem levar a melhor, mas que jamais baixa os braços. Aconteça o que acontecer, já terá sido um dos jogos mais especiais do Brasil 2014. Fez-se Mundial.

COSTA RICA - Joel Campbell, remember the name. O miúdo parecia saído de um videojogo qualquer e rebentou a loiça toda. Antes e depois do instrumental golo do empate, esteve em vias de marcar o golaço da Copa e seria também ele a fazer a assistência assassina para o 1-3. É um monstro de força, um comboio em progressão e depois, meus senhores, tem a canhota dos iluminados. Só tem 21 anos, mas Arsène Wenger já o descobriu nas suas alquimias aos 18. Este é o ano para assentar com o canhão gunner ao peito. A Costa Rica não tem muitas individualidades, mas as que tem disseram presentes: Keylor Navas (Levante), um dos melhores guardiões de La Liga, foi outra das figuras do jogo. A bola prensada que sacou a Forlán já está no best of do torneio. Na ala esquerda do 3-5-2, Junior Diaz também se evidenciou, pese o penalty infantil. Depois de uma primeira-parte escorregadia, nota também para o acerto decisivo do trio de centrais (com golo para Óscar Duarte).

URUGUAI - Orfão do parceiro atacante, Cavani fez das tripas coração para estar à altura. Não tremeu no penalty e farejou mais duas vezes o golo, mas Navas levou a melhor. Não foi por ele que o Uruguai perdeu. Atrás, Martin Cáceres foi a memória de um sector outrora intratável.

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