sábado, 21 de junho de 2014

Copa, dia 9: napoleonicamente candidatos


Suíça 2-5 França

No dia em que a Itália perdeu, e em que a Inglaterra foi ajudar a Espanha a fazer as malas, pelo menos uma casa nobre do velho Continente resolveu deixar claras algumas coisas. A França de Deschamps saíra discreta do Polónia/Ucrânia. No grupo de qualificação para o Brasil, perdeu para a Espanha e só num autêntico milagre da Senhora de Lourdes sobreviveu ao play-off com a Ucrânia. Na 25ª hora, a equipa ainda viu partir o seu melhor jogador e isto já depois de ter ostracizado o seu segundo mais mediático. A França que chegou ao Mundial era, se tanto, um ponto de interrogação. A estreia foi doce mas, claro, não se tiram ilações das Honduras. Hoje era, porventura, o dia mais importante do reinado do capitão de 98, perante um dos mais cotados outsiders da prova, uma equipa talentosa e competente. Hoje, dificilmente a demonstração de força francesa poderia ter sido mais brutal.

Em relação ao primeiro jogo, caíram Pogba e Griezmann, com a França a surgir, no papel, num 4-3-3 onde cabiam dois pontas-de-lança. Na prática, foi mais do que isso. A equipa viria a apresentar-se espantosamente metamórfica, com Benzema e Giroud a alterarem a ala-esquerda, em transição, e Valbuena a derivar para as costas de ambos, em construção. Já não me lembro se houve um aviso; só sei que, quando começou, foi como se o Inferno se tivesse aberto sob os Alpes. O volume de futebol ofensivo da França foi surreal, a elegância, a rapidez e o critério do seu jogo absolutamente deslumbrantes. A Suíça, tão geneticamente equilibrada, foi destroçada em jogadas de compulsiva e quase incompreensível inferioridade numérica atrás, como se a França soubesse todos os seus segredos, vagas atrás de vagas que ameaçaram que o placard se tornasse grotesco (16 remates à baliza, um penalty falhado, uma bola na trave, um golo mal anulado...). Benzema fez um dos melhores jogos da carreira em todo o último terço do campo, Valbuena foi desconcertante entre linhas e, se puxava ao físico, estavam Giroud, Matuidi ou Sissoko. Os franceses são uma máquina de contra-golpe impressionante, uma víbora azul que se desdobra em dois toques, que te serpenteia num golpe de rins e que atira sempre, sempre para matar. Se haviam dúvidas, pois elas já não existem: a França é, com todos os galões e com toda a autoridade, uma autêntica candidata ao título.

Os gauleses bateram uma equipa muito boa, que leram bem e desmontaram melhor, mas a Suíça fez uma figura muito pobre. Era um conjunto em que eu apostava muito, especialmente depois do nível com que se estreou e, apesar deste ser sempre um caso de mérito do vencedor, a verdade é que os homens de Hitzfeld não estiveram à altura. O jogo é marcado pelo duplo golo assassino, que o implode completamente, mas parece-me que os próprios suíços terão subestimado o adversário, acreditando que tinham tudo para causar-lhe impacto e condicioná-lo. Faltou, todavia, nervo, concentração, agressividade e intensidade. O 1-0 é uma bola parada, o 2-0 uma perda infantil. O melhor período helvético viria depois, mas a exposição que escancarou o terceiro da França (e já antes o penalty) tornou tudo uma questão de tempo. O mais provável é que baste à Suíça um empate para qualificar-se, mas o mais importante é que os suíços entendam que o sucesso só pode chegar no fim da inocência.

FRANÇA - Benzema. Foi um manual em directo, de cada vez que entrava desde a esquerda, de cada vez que baixava para receber e enquadrar, um vórtice de todo o génio francês no meio-campo adversário. Fez duas assistências dignas de um trequartista e, até ver, marcou moralmente cinco golos no torneio. Está a ser um prodígio na relva canarinha. Valbuena é o herói improvável. Fossem as coisas lineares e o pequenino marselhês seria suplente. Deschamps, porém, confiou-lhe a batuta da equipa e hoje não poderia estar mais realizado. Da ala para o meio, com uma bola curta irresistível, Valbuena parece duma dimensão à parte, viajando entre linhas para perverter tudo o que o adversário acha que sabe. Um joker. Matuidi é, definitivamente, o médio-chave da equipa. À disponibilidade bestial alia uma óptima chegada, num expresso que deve com certeza deixar os carris marcados em toda a meia-esquerda. Giroud foi igualmente instrumental e deve ter ganho a titularidade para parear Benzema no seu jogo de sombras.

SUÍÇA - Não necessariamente pelos golos, mas foram eles os melhores: Granit Xhaka, hoje um #10 a viver na ala, foi o único a encarar o jogo desde que tudo ia mal; Dzemaili entrou a ferver para o miolo e demonstrou a raça de que a equipa tanto precisava. Foi dele o primeiro livre directo do Mundial.

Sem comentários: