sábado, 14 de junho de 2014

Copa, dia 2: a pirâmide azteca sobreviveu ao assalto, a Austrália não sobreviveu à sorte

 

México 1-0 Camarões

Ao segundo jogo, segundo flagrante delito arbitral. Ainda não tinha passado meia hora e a FIFA já havia de estar à procura de um buraco para se esconder: Giovanni dos Santos viu dois golos serem surrealmente anulados por fora-de-jogo, o primeiro quando estava de forma evidente em linha, o segundo quando a bola proveio... de um adversário. Muito raramente reduzo um jogo aos erros do árbitro, mas a performance desastrosa do colombiano Roldán e amigos só por um pequeno milagre não acabou por saquear hoje o baú de aspirações mexicanas. Aliás, honra lhe seja feita, não por milagre, mas pela abarcadora competência d'El Tri, que deu para tudo.

Não era um jogo particularmente fácil de ler e não seria previsível, pelo menos, que fosse estar claramente uma equipa sobre a outra, pese o México sugerir melhores atributos. Os Camarões, de resto, estudaram a lição e foram inteligentes a condicionar o adversário nos primeiros 20 minutos. Consciente da matriz 3-5-2 do México, o veterano Volker Finke exigiu disciplina à equipa e entrou com um miolo igualmente a cinco homens, deixando Samuel Eto'o desterrado na frente de ataque. Apesar disso, e apesar dos dois golos precoces tão mal anulados a Giovanni, foi a melhor fase camaronesa. O México não se sentiu muito à vontade com a falta de espaço para tocar e acabou por abrir ao contra-ataque africano, com o ponto alto a ser a bola ao poste de Eto'o.

Todavia, para os Camarões, e até ao pressing final, a história do jogo ficaria resumida aí. Ao contrário do que até seria expectável, o México não se exauriu no massacre arbitral. Usou-o, aliás, como combustível para sacudir e carregar ainda mais o adversário, ao ponto dos Camarões se terem constrangido, durante os 30 ou 40 minutos seguintes, a um assustador 6-3-1, na esperança vã do nulo. A grande jogada do golo de Oribe Peralta, o herói do ouro olímpico de 2012, foi só o corolário de tudo o que o México soube criar. Os homens do apaixonante Miguel Herrera encheram o campo e deixaram escancarada a personalidade e o jogo positivo, que os torna, por direito próprio, num inestimável underdog. O mata-mata com a Croácia será dramático.

MÉXICO - Jogaço de Hector Herrera. O médio passou um ano no Porto a parecer boçal e alheado mas, na interior-direita mexicana, é um colosso. Solidário a defender, com passada e objectividade a atacar, é ele o motor da equipa e foi instrumental no lance do golo. Giovanni dos Santos não partiu a loiça, mas esteve sempre no fim de tudo. Os dois golos mal anulados serão uma das histórias do Mundial. Na ala esquerda, alguém que será seguramente uma das revelações do torneio: Miguel Layún não engana. Já fora o melhor do amigável frente a Portugal e confirmou-o na estreia. Está sempre a pedir a bola, é sólido na traseira da ala e relativamente imparável a chegar de trás e a colocar a bola. Excelente. Por fim, bons suplentes: Chicharrito, sim, mas especialmente Marco Fábian no box-to-box. Muita, muita força.

CAMARÕES - Itandje, na baliza, evitou o que pôde. Assou-Ekoto, na lateral-esquerda, assinou a melhor jogada da equipa e, tantas vezes numa ode ultra-defensiva, Mbia foi o médio que mais fez por chegar à frente. Samuel Eto'o, mesmo ao completo Deus dará na casa #9, continua a ser a única esperança dos leões indomáveis, a finalizar, mas sobretudo a segurar e a lutar.



Chile 3-1 Austrália

Aos 14 minutos teríamos todos posto o babete, tirado os talheres e passado um cheque em branco. O Chile apresentava-se à Copa cheio de reputação, parte dela por subsistir-nos na memória o romantismo trágico de há 4 anos, quando, sob batuta do profeta Bielsa, o sonho do futebol total foi desterrado pela Canarinha nos oitavos. Novamente, era Jorge Sampaoli a apresentar-se como um bielsista crente desde o primeiro dia; os craques amadureceram e o Chile voltava com o seu 3-4-3 suicida, pelo que a única expectativa era disseminar caos num dos grupos da morte. Sucede que o gás acabou demasiado cedo ou que, porventura, foi canalizado para outras paragens do grupo B. Aos 14 minutos o Chile já tinha ganho o jogo e estava a requerer a goleada, mas, mal a poeira baixou, e não estava lá.

Pode ter sido a ansiedade principiante, a confirmação da diminuição física de Vidal ou o arrepio na espinha pelo genocídio de duas horas antes, sabendo agora terem de discutir a passagem com... o campeão do Mundo, mas o Chile acabou por ser uma sombra do que podíamos esperar. O esqueleto táctico é o mesmo de 2010, mas a maneira de estar não. Com uma das equipas mais modestas do torneio, o Chile estranhou-se do jogo ainda na sua madrugada. Os dois golos em dois minutos foram mais acerto de Alexis do que juízo e, pior, depois nem pareceu uma questão de comodismo, mas antes soluços assustadiços desde o primeiro sprint australiano, que nunca mais partiram e que desproveram a equipa de todo o engenho e de toda a identidade.

A Austrália tem uma única ideia de jogo: passar o meio-campo e meter tão rápido quanto possível na cabeça de Cahill, porque, acreditem, o velho peso do Everton vai ganhar dois terços das bolas aéreas. Por incrível que pareça, a estratégia foi efectiva. Incomparavelmente mais débil ao nível do talento, a Austrália reduziu para 2-1, deu a cara na fatia grande do jogo e mereceu inteiramente ser feliz, o que falhou por muito pouco. Beausejour mascararia o placard em cima da hora, mas não o essencial: este não é o velho Chile e este não parece ter o que é necessário para dar o tiro de misericórdia na Espanha, que hoje tanto pediu por um.

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